1. INTRODUÇÃO
Muito se ouve falar sobre direito adquirido, mas o que isso realmente significa? Vamos lá, o direito adquirido é um instituto previsto na Constituição Federal de 1988, no art. 5º, inciso XXXVI, como uma garantia de direitos que confere segurança jurídica no ordenamento brasileiro. Esta é uma das principais garantias de um Estado Democrático de Direito e provoca reflexos em todos os ramos do Direito, inclusive no Direito Previdenciário.
A sociedade está em constante modificação, o Direito, como uma ciência social precisa acompanhar a evolução da sociedade e das relações. Porém, algumas mudanças deixam muitas dúvidas, como é o caso da Reforma da Previdência, onde os segurados questionam como ficam os seus direitos perante as novas leis? Aqui entra o direito adquirido, quando o segurado já preencheu todos os requisitos descritos na lei antes da sua modificação.
Neste artigo abordaremos o conceito de direito adquirido, sua relevância no Direito Previdenciário, onde protege o segurado diante das constantes reformas e alterações legislativas que podem modificar as condições de obtenção de benefícios. Sua importância está intimamente ligada ao princípio da segurança jurídica e à garantia de estabilidade das relações jurídicas. Discutiremos o papel crucial dos direitos adquiridos, especialmente para a segurança do regime previdenciário brasileiro, e como ele contribui para a confiança no sistema previdenciário.
2. Direito Adquirido: Princípio de Segurança Jurídica
O direito adquirido representa a consagração do princípio da segurança jurídica. Ao garantir que as mudanças previstas no futuro não prejudiquem os direitos já concretizados, ele dá aos indivíduos previsibilidade e estabilidade em suas relações jurídicas.
O A Lei de Introdução ao às Normas do Direito Brasileiro, Decreto-lei nº 4.657/42, conhecida por LINDB, em seu artigo 6º, diz: “a lei em vigor terá efeito imediato, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. […] e complementa no § 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem”.
A Constituição Federal de 1988, no artigo 5º, inciso XXXVI, protege o direito adquirido estipulando que: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Este dispositivo constitucional fortalece a estabilidade jurídica, permitindo que o cidadão planeje sua vida com base nas regras existentes, sem prejuízos inesperados a cada aviso de alterações legislativas.
Assim, podemos verificar que o direito adquirido representa um princípio constitucional de fundamental importância para o Estado Democrático de Direito e para a manutenção da segurança jurídica no ordenamento brasileiro. Estes direitos uma vez garantidos passam a pertencer ao patrimônio jurídico do sujeito, não podendo ser desconstruídos ou modificados, mesmo que sejam promulgadas novas leis.
Podemos dizer que direito adquirido é aquilo que foi conquistado antes de haver uma mudança na lei, onde foi cumprido todos os requisitos legais, por isso é tão importante para o direito previdenciário.
A doutrina de José Afonso da Silva destaca que “direito adquirido é uma situação jurídica consolidada que integra o patrimônio da pessoa, não podendo ser extinta ou prejudicada por normas posteriores” (SILVA, 2020 p.123). Esse entendimento é especialmente relevante para os segurados previdenciários, que contribuem ao longo de décadas e confiam que, ao cumprir requisitos previstos em lei, seu direito ao benefício estará protegido.
3. Direito Adquirido e a Previdência Social
A Previdência Social é o sistema previdenciário brasileiro, composto por um conjunto de regras e serviços com o objetivo de garantir aos trabalhadores e segurados o direito à aposentadoria e diversos outros benefícios como: auxílio-acidente, seguro-desemprego, benefício por incapacidade temporária (auxílio-doença), pensão por morte, auxílio-reclusão, salário-maternidade, entre outros.
Vejamos como funciona, em linhas gerais, a Previdência Social e qual é a sua relação com o direito adquirido.
O principal órgão da Previdência é o Instituto Nacional de Seguridade Social, o INSS, ele é uma autarquia federal, responsável pela administração, concessão e pagamento dos benefícios e pela gestão do Regime Geral de Previdência Social (GRPS).
O RGPS é de adesão obrigatória para todos os cidadãos que exercem qualquer atividade remunerada, seja aquele trabalhador celetista, que possuem sua carteira de trabalho assinada, ou um trabalhador autônomo. Existe também o Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), que é um regime público, específico para servidores concursados, titular de cargo efetivo, de qualquer um dos poderes.
A Reforma da Previdência provocou várias mudanças para os dois regimes. Cabe salientar que as alterações implementadas pela Reforma da Previdência não atingiram os trabalhadores rurais.
Com tantas mudanças, o legislador precisou assegurar o direito adquirido na Nova Previdência, com a finalidade de não atingir os direitos dos segurados. O princípio da Segurança Jurídica é um dos basilares e assegura ao cidadão que o direito adquirido será resguardado, conforme determina Constituição Federal no art. 5º, Inciso XXXVI.
4. Direito Adquirido e o Direito Previdenciário
No Direito Previdenciário, o direito adquirido assume papel central, pois a legislação que regula os benefícios previdenciários é frequentemente alterada, seja por reformas constitucionais ou por leis ordinárias. As mudanças visam à sustentabilidade do sistema previdenciário, porém, podem impactar profundamente a vida dos segurados.
Essa proteção é essencial, pois muitas vezes as reformas previdenciárias introduzem alterações substanciais, como mudança nos critérios de idade mínima, tempo de contribuição e cálculo dos benefícios, que podem representar redução significativa nos valores dos benefícios previdenciários ou aumentar o tempo a ser trabalho para aquisição de seus direitos.
Como vimos, ao longo das últimas décadas ocorreram diversas modificações na legislação, porém, nada se pode ser comparado com as dúvidas que surgiram em relação as modificações introduzidas pela EC nº 103/2019, conhecida popularmente por “Reforma da Previdência”.
A própria Reforma da Previdência buscou assegurar o direito adquirido dos segurados para que não fossem prejudicados pelas mudanças introduzidas pela nova norma.
5. Direito Adquirido , Expectativa de Direito e Direito ao Melhor Benefício
Importante destacar que direito adquirido e expectativa de direito são coisas bem diferentes. Quem tem expectativa de direito não tem direito algum. De acordo com Fábio Ulhoa Coelho, “a aquisição de um direito decorre da verificação da condição ou das condições estabelecidas na norma jurídica pertinente”.
Em síntese: direito adquirido é aquele que integra o patrimônio jurídico da pessoa. Cabe salientar que o direito adquirido não se confunde com a expectativa de direito, nem com o exercício do direito. O direito é considerado adquirido no momento em que o titular preenche os seus requisitos, podendo, assim, exercê-lo quando quiser. Logo, não se exige o seu efetivo exercício. Antes do cumprimento dos requisitos para a suas aquisição, a pessoa tem mera expectativa de direito.
O direito ao melhor benefício é um princípio que impõe o dever do INSS em conceder o melhor benefício a que o segurado faz jus. Ou seja, o princípio do direito ao melhor benefício é uma garantia aos segurados e possui grande importância e aplicação prática.
Com a Reforma da Previdência e diante diversas regras diferentes de transição, este princípio deve ser aplicado, a fim de averiguar todas as possibilidades e a concessão do mais vantajoso ao segurado.
A IN PRES/INSS nº 128/2022, “disciplina as regras, procedimentos e rotinas necessárias a efetiva aplicação das normas de direito Previdenciário”. Esta IN é bem ampla, e um pouco controversa, vou exemplificar:
Artigo 589, ela “veda a transformação da aposentadoria por idade, tempo de contribuição e especial, em outra espécie, após o recebimento do primeiro pagamento do benefício ou do saque do respectivo FGTS ou do PIS”.
§ 1º Na hipótese de o segurado ter implementado todas as condições para mais de uma espécie de aposentadoria na data da entrada do requerimento e em não tendo sido lhe oferecido o direito de opção pelo melhor benefício, poderá solicitar revisão e alteração para espécie que lhe é mais vantajosa.
Vemos assim, que é dever do INSS conceder o melhor benefício no qual o segurado preencher os requisitos.
Neste mesmo sentido é possível aplicar às regras de transição da Reforma da Previdência (EC nº103/2019), verificando o preenchimento de mais de uma das hipóteses de aposentadoria, o INSS deve conceder o benefício com a melhor renda inicial (RMI).
6. Por Quanto Tempo é Considerado o Direito Adquirido?
Não existe tempo previsto na Lei para que o segurado possa solicitar um benefício, como a aposentadoria, por exemplo, com base no direito adquirido. Este benefício pode ser solicitado a qualquer tempo, independente de quantos anos já se passaram.
Portanto, se você completou os requisitos para se aposentar antes da Reforma da Previdência, mesmo que você ainda não tenha ingressado com seu pedido, você pode solicitar essa aposentadoria a qualquer momento e ela deverá ser concedida.
7. Jurisprudência e Aplicação do Direito Adquirido
A legislação brasileira consolidou a aplicação do direito adquirido no Direito Previdenciário, reconhecendo que a legislação posterior não pode prejudicar os direitos consolidados de segurados que já tenham cumprido os requisitos para determinado benefício.
A jurisprudência brasileira tem se posicionado fortemente em favor do direito adquirido no âmbito previdenciário. O Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) têm se manifestado reiteradamente nesse sentido entendendo que as alterações legislativas não podem atingir situações já consolidadas.
No julgamento do Recurso Extraordinário nº 630.501/RS, foi reconhecido o direito ao melhor benefício, reforçando que o segurado que cumpre todos os requisitos de determinado benefício previdenciário tem direito adquirido à aplicação da norma vigente à época da aquisição do direito, independentemente das modificações legislativas que sobrevenham.
A jurisprudência é firme no sentido de que, para fins de percepção de benefício, aplica-se a lei vigente ao tempo da reunião dos requisitos. Esse entendimento jurisprudencial é fundamental para garantir a integridade dos direitos dos segurados e demonstrar o compromisso dos tribunais superiores com a segurança jurídica e a estabilidade das relações previdenciárias, preservando a previsibilidade e a confiança dos segurados no sistema de seguridade social.
Conforme a Súmula nº 359 do STF “Ressalvada a revisão prevista em lei, os proventos da inatividade regulam-se pela lei vigente ao tempo em que o militar, ou o servidor civil, reuniu os requisitos necessários.” Sendo assim, quando uma pessoa tem direito adquirido, nem mesmo as leis ou decisões judiciais posteriores podem retirar este direito. Se o segurado cumpriu com TODOS os requisitos para se aposentar, não importa se requereu ou não o benefício, ainda que venham novas leis ele tem segurado seu direito adquirido.
A Jurisprudência em Tese, ao longo de suas edições, tem compilado importantes entendimentos sobre o direito adquirido no Direito Previdenciário, reafirmando que o segurado que cumpre com todos os requisitos para a obtenção de um benefício, antes da mudança legislativa, tem o direito consolidado de usufruir das condições vigentes no momento do preenchimento dos requisitos. Essas teses reforçam a proteção ao direito adquirido e evitam que os segurados sejam prejudicados por mudanças legislativas inesperadas nas regras previdenciárias.
8. Importância da Proteção do Direito Adquirido para o Segurado
A proteção ao direito adquirido é essencial para garantir a segurança jurídica e a previsibilidade dos benefícios previdenciários. Em regra, os segurados contribuem para a Previdência Social por longos períodos, é fundamental que os segurados possam confiar nas regras vigentes ao planejarem sua aposentadoria ou outro benefício.
A constante alteração nas normas previdenciárias, muitas vezes motivada pela necessidade de ajuste econômico ou fiscal, não deve gerar insegurança para o segurado, sob pena de comprometer a função social da Previdência Social, que é garantir o amparo econômico a quem já contribuiu com o sistema.
As decisões do STF e do STJ têm papel crucial para garantir a estabilidade das relações jurídicas e assegurar a confiança dos segurados no sistema previdenciário.
9. A confiança do Segurado no Sistema Previdenciário
A importância do direito adquirido no Direito Previdenciário transcende a proteção individual e contribui para a estabilidade e alteração do próprio sistema previdenciário. A proteção ao direito adquirido evita que seguranças sejam prejudicadas com reformas legislativas que muitas vezes introduzem requisitos mais rígidos, ou alterações que impactam o cálculo dos benefícios.
A aplicação do direito adquirido é portanto, um elemento essencial para que o sistema previdenciário possa cumprir sus função de fornecer proteção social com previsibilidade e segurança.
previsibilidade garantida pelo direito adquirido permite que os segurados planejem sua pensão e outros benefícios com maior segurança, incentivando a confiança a confiança no sistema público de previdência.
Se os segurados fossem constantemente expostos a alterações imprevisíveis e relevantes, a confiança no sistema previdenciário seria seriamente comprometida. Vemos que o direito adquirido funciona como uma garantia institucional que protege o segurado e fortalece o sistema como um todo, assegurando que ele cumpra seu papel social de amparo e proteção.
10. Como Requerer o Direito Adquirido
Se você observou que já tinha completado todos os requisitos para sua aposentadoria, significa dizer que já tens o direito adquirido, neste momento é muito importante procurar, um profissional qualificado e com experiente, para calcular junto com o qual será o valor do benefício, se o valor do direito adquirido, ou valor da transição. Em alguns casos, vale até mesmo aguardar alguns meses para requerer o benefício,
CONCLUSÃO
A proteção ao direito adquirido no Direito Previdenciário é um dos pilares da segurança jurídica e é crucial para a estabilidade das relações previdenciárias. Garantindo que a segurança de quem já cumpriu os requisitos para determinado benefício não seja prejudicado por mudanças legislativas, o direito adquirido garante previsibilidade e confiança no sistema previdenciário, fundamental para a alteração da segurança social.
Essa proteção é consagrada na Constituição e reforçada pela jurisdição dos tribunais superiores, demonstrando sua relevância não apenas para o segurado, mas para a estabilidade e legitimidade do próprio sistema previdenciário brasileiro.
O STF, em sua função de guardião da Constituição, tem reafirmado que o direito adquirido visa proteger as expectativas legítimas dos segurados que cumprem os requisitos necessários para a obtenção de benefícios previdenciários segundo a legislação anterior a mudança. A aplicação dos direitos adquiridos, nesse sentido, impede que os seguros sejam afetados por mudanças adversas, protegendo seus direitos de a acordo com a legislação sob a qual ele cumpriu na totalidade suas contribuições.
Concluindo, o direito adquirido no Direito Previdenciário representa um alicerce essencial para garantir a segurança jurídica e a confiança dos segurados em um sistema sujeito a alterações legislativas. Esse instituto é indispensável para a proteção dos benefícios previdenciários aqueles que cumprem todos os requisitos exigidos pela legislação vigente à época, assegurando-lhes o direito a não serem prejudicados por alterações posteriores.
Além disso, a manutenção do direito adquirido preserva o planejamento pessoal e profissional dos segurados, possibilitando-lhes, prever, com maior segurança, o momento e as condições de requererem seus benefícios.
A constante reafirmação, tanto na Constituição Federal como na jurisdição dos tribunais superiores, evidencia a importância desse direito para o fortalecimento do Estado Democrático de Direito e para a estabilidade das relações previdenciárias. A proteção do direito adquirido consolida, assim, a confiança no sistema de seguridade social, mantendo a função primordial da Previdência de amparar e proteger o segurado com previsibilidade, segurança e justiça social.